Coragyps atratus

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Numa terça-feira qualquer

destas que seriam facilmente esquecidas

não fosse um evento particularmente importante

um urubu pousou em meu ombro esquerdo

Ele era grande, tinha penas pretas e crocitava baixinho como se não quisesse se fazer notar

suas unhas cravaram em minha carne e ali ficou

Por treze dias eu tive um amigo

Eu gostava do urubu que tinha pousado no meu ombro naquela tarde de terça-feira

à noite

quando procurava algo que salvasse minha vida:

bitucas de cigarro espalhadas pelas calçadas, restos de bebida em copos descartados nos balcões dos bares

ele era meu fiel escudeiro

E era ele, não eu, quem fazia sucesso com as maria madalenas das calçadas escuras e frias

elas admiravam as penas cor de óleo e o olhar de bicho magoado

me perguntavam onde eu o tinha encontrado

o que comia, onde dormia. Dava de ombros e resmungava a resposta que mais me parecesse verossímil

dividimos a mesma bebida e a mesma vida quente e vagabunda

Enquanto eu bebia aos sorvos como um animal

ele bebericava o destilado educadamente

Dormia em cima da caixa de descarga

e enquanto tentava conciliar o sono

no sofá da sala ou no piso de linóleo verde frio e gorduroso da cozinha

podia ouvi-lo crocitando baixinho

como se entoasse uma canção de ninar

ao final do décimo terceiro dia – tão rápido quanto apareceu –

desapareceu. E minha alma se encheu de solidão

comprei um pintassilgo e uma gaiola – foi em vão

até hoje espero ansiosamente as tardes de terça de sol quente

quando tenho fé em ouvir o seu  crocitar triste de bicho magoado

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